quarta-feira, 10 de março de 2010

O ASSUNTO DO MOMENTO

Como vocês puderam notar, até agora eu vinha fazendo de tudo para não fazer parte da polêmica que envolve Adriano e sua noiva, no espisódio do malfadado baile funk da Chatuba.

Com exceção ao post anterior, onde fiz duras críticas a alguns veículos, busquei (ao menos tentei) não suscitar em meus leitores qualquer curiosidade ou prazer mórbido pelo caso, ainda que isso esteja interferindo no dia-a-dia do Flamengo, por achar que já há uma superexposição do tema.

Contudo, tornou-se imperativo (sem trocadilho) que eu me posicionasse por dois motivos: em primeiro lugar, porque venho dando meus pitacos sobre essa história lá no Twitter, e não posso deixar de fazer o mesmo por aqui no BLOG URUBUZADA. Afinal, nem todos de vocês estão por lá para ler. E por fim, mas não menos importante, em razão do volume absurdo de besteiras, provocações e especulações que ouvi e li nos últimos dias.

Adriano, como todos sabem, trata-se de mais um personagem - como muitos outros - do mundo do futebol (e deste país). Veio da favela, superou muitos problemas, mostrou seu talento, jogou pelo maior time do Brasil (o Flamengo, claro), foi vendido ao exterior, endeusado e passou por todo aquele histórico que já estamos cansado de conhecer: Garrincha era adúltero e dependente do álcool, P.C. Caju, dependente de drogas, Renato Gaúcho era chegado numa prostituta, Pelé teve 300 filhos fora do casamento e por ai vai. Todos eles cometiam os seus deslizes.  Aliás, todos nós (sejam desse gênero ou não).

A diferença é que o mundo e o futebol de hoje mudaram muito (nessa ordem).

Obviamente não vivi a época de boa parte desse jogadores citados acima. Mas, como bom ouvinte de causos e estudioso de futebol, sei que naquela época havia mais tolerância, compreensão e até mais bom humor por parte das pessoas que acompanhavam o futebol - desde os jornalistas até os torcedores (também nessa ordem). O interesse, especialmente da mídia especializada, parecia não ultrapassar muito as quatro linhas. Quando muito, chegava a uma curiosidade saudável sobre o que os ídolos tinham como hobby etecétera e tal.

Era o tempo do tal futebol romântico, que todos nós, de maneira saudosista, anseamos que um dia retorne, mas que, paradoxalmente, afastamos pouco a pouco por conta da INTOLERÂNCIA e de um imenso conflito de identidade. Aliás, é exatamente sobre INTOLERÂNCIA que vamos falar nesse texto.

Recordo-me claramente de um programa da Globo (acho que Globo Esporte) em que Renato Gaúcho, na concentração da SELEÇÃO BRASILEIRA, participou de uma brincadeira no 'Dia dos Namorados'. O atacante, que tinha fama de mulherengo e fanfarrão, segurava um buquê de flores e fazia uma declaração emocionada para "sua amada". No entanto, em vez de oferecer as rosas apenas para uma mulher, ele tirava flor a flor do buquê e oferecia a várias mulheres com nomes diferentes (quem é assinante Globo.com pode ver o vídeo clicando aqui).

Lembro-me também de ter visto algumas matérias que enalteciam (imaginem só) a inocência de Mané Garrincha quando, na Copa de 58, soltou a seguinte pérola: "Campeonatinho mixuruco esse. Nem tem segundo turno". Os jornalistas da época sorriram, embasbacados diante do craque, certamente imaginando: "Como é que um sujeito tão tolo, tão ingênuo, pode ser tão genial com a bola nos pés?".

Pobre dos dois se fossem jogadores nos dias de hoje. Sofreriam uma pressão intensa por seus cortes da seleção, afinal: Renato estava de "oba-oba" em plena concentração, não dando atenção aos treinos e se divertindo com os repórteres. E mais: diante de tal afirmação, ele certamente seria submetido a uma investigação jornalística, tudo no mais perfeito profissionalismo, para descobrir se está ou não fugindo da concentração para se encontrar com mulheres, fato que seria execrável para um profissional comprometido em defender as cores da seleção brasileira.

E o mesmo vale para o "Mané", que teria deixado óbvio em sua declaração que desprezou a Copa do Mundo e que, portanto, não tem o comprometimento e o tesão necessários para vestir a camisa amarelinha novamente. Muitos repórteres e colunistas diriam que "se fossem o Dunga, não o chamariam". E sabe qual o pior? Você, MUITO PROVAVELMENTE, estaria lendo essa notícia, concordando e abrindo um precedente terrível para que a "turma do mimimi" (como diria o Arthur, do Urublog) ganhasse ainda mais força.



Então, para fechar esse post e nos fazer pensar na responsabilidade que temos por esse mundo (e pelo futebol) chato, normal e, principalmente, intolerante que vivemos hoje, que trago para vocês um texto genial do meu colega (e rubro-negro) André Kassu.

Saiu o resultado

 "O programa está aprovado, mas precisamos de alguns ajustes."
 Assim começou a reunião.

 - Primeiro é bom ressaltar que esse é um programa que tem todos os pré-requisitos para ser um sucesso de audiência - a pequena mulher disse.

 -  Ele tem um algo a mais. Mas alguns "ruídos" surgiram e seria bom que fossem suprimidos. Vamos a eles?

Os grupos compreenderam exatamente a função de cada um dos personagens. Isso ficou muito claro. O que usa peruca foi sucesso absoluto. É engraçado, é popular e tem uma risada que desperta empatia imediata.  Mas em quase todos os grupos (de pesquisa), especialmente dos homens entre 30 e 40 anos, a piada de puxar a peruca da careca não foi bem e deve ser repensada. Acharam de mau
gosto e excludente. Surgiu também a questão se a risadinha dele não era um pouco afeminada. Mas isso é coisa para se pensar depois.


O personagem que faz o papel de "escada" foi bem avaliado também. Mas todas as piadas em torno dele foram mal nas pesquisas. 'Perua', 'camufla', 'santa' e algumas outras colocam em dúvida sua masculinidade e são extremamente preconceituosas.

Aqui vale colocar um comentário de uma dona de casa pesquisada: "É um programa para crianças. Não quero que meu filho cresça discriminando os outros com essas piadinhas. Isso não é o que eu ensino e espero para o seu futuro".
 

Vamos continuar? A figura central do programa é unanimidade. Foi considerado extremamente carismático e os seus jargões são repetidos em todos os grupos. Mas temos alguns pontos a ser discutidos: como quase todas as piadas têm esse personagem como ponto de partida, ele foi considerado homofóbico, preconceituoso e até mesmo racista. Outro ponto negativo é que ele trata as mulheres de uma forma pejorativa. A expressão 'bicho-bom', por exemplo, deve ser cortada. E gostosonas de saia curtinha balançando as nádegas não são o tipo de atração que uma mãe espera para o seu filho. Em um grupo ou outro, pediram para que ele não fumasse também. Mas isso é um detalhe.

E como falamos em racismo, vamos ao personagem negro. Que grande ator, não? Mas esse deu ruído em 100% dos grupos pesquisados. Primeiro ponto: a bebida. Por que logo o negro é o bêbado? E por que o negro fala errado? Não estaria aí um preconceito velado? E mais: bebida e criança em horário nobre? Isso gerou muita discussão, algumas inflamadas. 


Em um dos grupos, um senhor negro ficou indignado. Disse que esse personagem jogava por água abaixo anos de luta. Era tão e somente um pinguço que, ainda por cima, aceitava
ser chamado de 'asa-de-graúna', entre outros apelidos de mau gosto.

Portanto, piadas e apelidos de tons preconceituosos devem ser evitados. E o nome do personagem deve ser trocado.  Afora isso, o nome 'Os Trapalhões' não foi bem. Um dos grupos sugeriu 'Os Engraçadões'. De qualquer jeito, devemos criar um outro nome que mantenha o espírito do programa e fique bem no aumentativo.

Em resumo é isso. Vamos às mudanças com a certeza de que faremos desse programa o maior sucesso de todos os tempos.

VAMO QUE VAMO, MENGÃO!

Gil

3 comentários:

André Monnerat disse...

Bicho - eu, por exemplo, evitei falar do "escândalo" do Adriano. Acho que escrevi isso no meu blog com todas as letras, até: se ele sai, se bebe, se briga com a mulher, não é problema meu.

A questão toda é que ele faltou basicamente a metade dos treinos do Flamengo este ano. No último, isso levou a diretoria a tirá-lo de um jogo de Libertadores - repare: decisão tomada ANTES do "escândalo" sair na imprensa. Não foi por pressão da torcida ou da mídia.

E aí, com todo mundo sabendo que ele tinha matado treino de novo, tava uma semana sem treino à vera e ia ficar de fora de um jogo realmente importante, surgiu a explicação pra isso. É claro que o povão vai se interessar por isso, e muito. E que muitos vão se incomodar - afinal, os efeitos disso chegam ao campo. O Garrincha do seu exemplo tinha ganho a Copa do Mundo - se tivesse dito aquilo depois de perder a final, pode crer que ninguém ia achar simpático, nem naquela época.

Então, é isso: por mim, dane-se se ele ama a tal mulher ou se manda traficantes amarrarem ela na árvore. Mas a partir do momento em que ele mata treinos e morre em campo todo jogo, seja lá qual for o motivo - com isso eu me importo sim.

FÁBIO GIL disse...

André,

Eu também me importo com isso. Minha crítica é com relação a forma como tudo isso é tratado. Ele fez a merda e merece ser repreendido. Merece suspensão e que as regalias acabem. Eu sou defensor disso. Só não gosto do tom que está sendo usado por alguns "profissionais" da mídia. Tudo parece ter um ar de cinismo, de deboche. Uma das matérias do GloboEsporte.com dizia: "Flamengo sabe sobreviver MUITO BEM sem Adriano" quando a notícia seria "Flamengo nunca perdeu sem Adriano em campo". A outra dizia: "Pet não mão da 'tradicional patada' aos jornalistas" e mais uma série de outras notícias com tom debochado e acoçador. E é disso que estou reclamando.

O cara encheu a cara? Fez merda? Faltou treino? Noticie tudo isso. Mas, como você bem deve saber, MUITAS pessoas lêem só os títulos das matérias e saem espalhando por ai. E os caras "mandam dessas" SABENDO que aumentará a audiência/pageviews de seus veículos. E acho que eles (e nós) temos responsabilidade sobre o que escrevemos e o que incitamos nos outros. Por isso é fundamental opinar depois de estudar e apurar, coisa que não tem sido feito muito ultimamente.

Espero que tenha me compreendido.

SRN,

Gil

Caio de Almeida disse...

Eu realmente estava achando que você só estava se doendo por se tratar do Flamengo e do Imperador. Mas entendi seu ponto de vista quando deu uma passada de olhos nas matérias que você citou ai em cima lá no GE. Realmente o pessoal está transformando o noticiário de futebol numa verdadeira "Caras Esportiva". O texto foi primoroso. Dê os parabéns ao seu colega Andre também.

SRN